PURA FACE DE UM POETA

Carlos Lúcio Gontijo

Por Thiago Paiva, com fotos de Lucas Fernando Diniz

A prova de que o talento esta ao alcance de todos. Jornalista, escritor e poeta. Natural de Santo Antônio do Monte, agraciado com o título de cidadão honorário de Contagem - onde viveu por quase 26 anos - e com uma forte relação com a região, inclusive Betim. Carlos Lúcio Gontijo conversou com a equipe da Betim Cultural em uma de nossas melhores entrevistas até hoje. Digo isso porque o nível cultural deste cidadão está muito distante da maioria que compõe a nossa sociedade. Essa minha afirmação vai te parecer mais próxima a cada resposta que ele deu para nossas questões. Confira:
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REVISTA BETIM CULTURAL: Carlos, sua primeira publicação ocorreu no ato de 1977 e felizmente você continua escrevendo e publicando. Como autor, você sentiu alguma transformação em relação as suas ideologias ao longo desses anos?
CARLOS LÚCIO GONTIJO: Sim. Minhas ideias mudaram, meus pensamentos sobre a vida também. Eu não releio meus livros depois que escrevo, mas, sei que meus pensamentos mudam e meus livros também, isso está associado também ao fato de eu querer sempre escrever coisas novas, logo, meus pensamentos mudam também.

Em seu livro Cio de Vento, você retrata cenários concretos com uma visão muito peculiar. Seria esse o grande diferencial dos poetas? Enxergar o mundo de uma maneira mais profunda que os outros seres humanos?
Com certeza. Esse livro foi meu alicerce, um livro normalista. Conheci portas como Bueno Rivera que me influenciaram muito nessa visão profunda sobre cenários da vida. A poesia tem um segredo, tem de existir metáforas, poesia é isso! E é preciso ter visão profunda para enxergar os cenários e linguagens ao nosso redor.

Ainda falando sobre Cio do vento, um dos poemas, ‘’Reflexão’’ o leitor é levado a uma reflexão sobre um cotidiano já esquecido, das conversas na janela. Nesse mundo cada vez mais moderno em que tanto se prega o tempo, ainda existe espaço para essa vida descrita na poesia?
Existe, basta sairmos do objetivo de sermos modernos para buscarmos ser eternos. É preciso preocupar mais com nossas amizades, nossos laços sentimentais. O tempo está aí, é preciso ter sabedoria para usá-lo. A maneira mais fácil de se tornar um ser eterno é fazendo bons amigos, pois quando você se vai, eles sempre se lembraram de você, e é preciso ter tempo para amigos.
Em 96 você publicou o livro ‘’Erotismo e sensualidade’’, existe alguma diferença no que confere a poesia de um livro como esse, de outros presentes em sua obra?
A diferença existe pois é mais difícil escrever sobre sensualidade. É difícil porque é preciso saber falar sobre erotismo sem cair na pornografia, é necessário uma intimidade muito profunda e poesia no que se escreve para não tornar algo vulgar.

Em sua obra ‘’O Menino dos olhos maduros’’ você frisa o quanto é importante saber enxergar. Porque nem tudo que tem olho vê! Pode ser esse um grande mal que afeta o relacionamento das pessoas?
Acredito que sim. É preciso aprender a analisar, nós temos que buscar mais sensibilidade. Um exemplo é a relação das pessoas com a televisão. Elas sentam, assistem mas não analisam o que estão vendo, apenas assistem. A mídia induz as pessoas a abandonarem a sensibilidade. Olha esse sucesso da saga ‘’Crepúsculo’’ uma historia baseada em um chupar o sangue do outro, a sociedade cada dia mais tem sido assim, por isso filme fez tanto sucesso. As pessoas precisam aprender a analisar mais umas as outras e não apenas olhar.
No livro ‘’Cabine 35’’, você aborda sobre os encontros que temos ao longo de nossa trajetória, e defende que a sinergia de nossas mentes nos levam a determinados caminhos. Do seu ponto de vista como deve ser o curso de vida dos seres humanos? Falando como poeta.
Nossa vida deve seguir o curso do maior ensinamento de Jesus Cristo, ‘’Amai-vos uns aos outros, como eu vos amei.’’ Mas as pessoas não praticam esse ensinamento. É preciso saber que ninguém chega a nenhum lugar sozinho, você sempre vai precisar da ajuda do outro. Nós precisamos dos outros para tirar a medida de nós mesmos.

Em sua obra ‘’O contador de formigas’’ você prega a importância e o real significados de palavras como amizade, união e igualdade. O quanto nós já estamos distantes desses valores? E como resgatá-los em uma sociedade em que cada vez mais anda na contrapartida de tais valores?
Eu acredito que estamos caminhando cada vez mais para longe desses valores. A sociedade tem sido cada vez mais individualista. As pessoas acham que auto estima é voltar para si mesmo e não é! Não tem como melhorar se você olhar sempre pra você mesmo. O caracol só avança quando sai de sua casquinha, ou seja, de dentro de si mesmo. E os homens são assim. É necessário sairmos de nós e prezarmos mais por esses valores.

Em seu último livro, ‘’Jardim dos corpos’’ você relata: ‘’ O comportamento moral camaleônico, flexível e revogável, transformou-se em filosofia de vida que inundou a comunidade mundial’’. Como a falta de cultura das pessoas contribuem para que o mundo seja solo fértil para tal afirmação?
Na verdade é uma cadeia de acontecimentos históricos que nos levarão a onde estamos. A falta de cultura é um desrespeito a vida. É preciso valorizar a cultura como forma de vida. Tudo isso se dá devido a falta de investimento das autoridades e a mídia que não se preocupa em oferecer cultura para as pessoas. As grandes redes de informação destroem a vida das famílias dando maus exemplos, destruindo valores morais das pessoas. 


Você é um poeta realizado! Mas como poeta realizado, ao seu modo de ver, quais as maiores dificuldades enfrentadas por quem se atreve a ser poeta?
Primeiramente não existe editoras no Brasil para quem quer ser poeta. Elas alugam seus selos. Os poetas são de uma sociedade que todos querem ter sucesso, enquanto o certo deveria querer ser realizado. Meu trabalho não aparece todo dia, mas meu trabalho está em dia! A literatura não é produto de auto consumo no Brasil, por isso há tanta dificuldade. Para você ter uma idéia de como são as coisas. Jornalista brasileiro não lê! Jornalista no Brasil não lê nem o que ele mesmo escreve. Tô dizendo isso para que você entenda como é difícil ser poeta. Se os jornalistas não lêem nem o que eles escrevem, imagina convencer as pessoas a lerem poesia?

Como a cultura deve ser aplicada para ser fator de transformação da sociedade? O que todos nós precisamos fazer?
São necessárias muitas ações, mas de inicio, poderíamos começar com um projeto de distribuição de livros regionalizada. O poder publico tem que publicar mais livros de autores que não têm oportunidade. Isso ajudaria a aproximar os autores dos leitores. Tudo melhoraria. A maneira das pessoas escreverem, lerem e se identificarem com sua cultura regional. O segredo está em formar leitores. Em países como a Alemanha por exemplo a leitura é um habito muito comum, isso explica muita coisa. É necessário também distribuir mais recursos da cultura que estão sempre nas mãos das mesmas pessoas, pessoas essas, já consagradas que teriam condições de se manterem sozinhas. É necessário investir de maneira justa, como a própria cultura deve ser aplicada, de maneira igualitária.

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Carlos ainda nos disse que em seu 14º livro - o romance QUANDO A VEZ É DO MAR - será prefaciado pelo poeta Antônio Fonseca, que é membro da Academia Betinense de Letras (ABEL). O lançamento está previsto para 27 de abril de 2012, data em que Carlos completa 60 anos. Você pode conhecer toda a obra desse brilhante escritor e excelente ser humano em seu site oficial: www.carlosluciogontijo.jor.br.